domingo, 24 de janeiro de 2016



Desenvolvi minha carreira na área da alimentação. Dediquei anos a organizar restaurantes , empresas de foodservice e serviços de alimentação fora do lar . No inicio dos anos 80 gastronomia era uma palavra distante da realidade brasileira. Termo esnobe afeito a poucas pessoas abastadas ou intelectualizadas que se dedicavam a colecionar vinhos e procurar os melhores ingredientes . Com certeza pessoas que tiveram exposição à cultua gastronômica europeia ,  principalmente à francesa e à italiana . 


Havia uma outra sorte de pessoas que não sabia exatamente o significado de gastronomia , mas gostava de cozinhar , manter as tradições culturais , pesquisar sobre a origem dos alimentos , fuçar nos cadernos de receita antigos . 


O universo culinário era dominado pelas mulheres e muito pouco profissionalizado .


No setor da hotelaria algumas  escolas de cozinha preparavam chefes e cozinheiros para a indústria hoteleira . Cursos técnicos , ainda não tão sofisticados e globalizados como vemos hoje e, definitivamente uma carreira com pouco glamour e nenhum reconhecimento social .


Em casa a alimentação cotidiana abusava dos embutidos e enlatados . Dos produtos industrializados, das receitas de latas , conservas e liquidificadores . Pouco se falava de agrotóxico ou dietas balanceadas . No meu caso,  fazíamos dieta em casa para emagrecer , todos éramos um pouco gulosos e gordinhos , 


35 anos depois, abro a minha geladeira e percebo que a mudança foi grande . Posso começar pela terminologia dos rótulos em letras garrafais e destaque : diet , light , sem gordura , zero caloria , orgânico, sem lactose e sem glúten . Etiquetas de dados nutricionais em quase todas as embalagens. O armário de conservas tem poucas latas e vidros e a dispensa nem açúcar tem . 


Na porta da geladeira indicação de uma dieta balanceada , prescrita por nutricionista . Rica em fibras , sem lactose ou glúten e com alguns suplementos prescritos . Ingredientes como chia , amaranto, quinoa , suco detox e suco verde são mencionados como boas alternativas . Pede-se para comer de 3 em 3 horas . Evitar carboidratos a noite , não consumir refrigerantes e cafeína só ate as 16 hs . Álcool , só duas tacinhas de vinho aos finais de semana . 

Me pergunto o que houve e lembro que tenho que terminar meu artigo sobre alimentação funcional e o corpo máquina que devo entregar dentro do prazo no mestrado de comunicação na Cásper ..

O que houve com nossas vidas ? Porque esta mudança tão significativa ? Qual o impacto destes novos padrões alimentares na economia , na produtividade , na expectativa de vida , na minha aposentadoria e nas decisões governamentais ? Aonde isso tudo começou ? Porque rapidamente acreditamos na promessa de uma vida mais longa, se controlarmos nossa alimentação ? Porque acreditamos na melhoria do bem estar pessoal se controlarmos o que ingerimos? Porque monitoramos nosso desempenho com relógios inteligentes? Somamos calorias , dividimos o dia em fatias de 3 horas para adotarmos intervalos regulares para comermos ? Como a medicina e a nutrição conseguiram impor este novo padrão? 

Olho a revista aberta ao lado e uma imagem com um modelo barbudo , tatuado e de abdômen resgado . Na outra um quarentão grisalho sarado , definido , sorriso branco e reluzente .Tênis , polar e fone de ouvido .

Qual a relação entre as duas coisas ? Dietas funcionais e equilibradas e corpo saudável consumível e desejável ? Saúde e longevidade, desejo e consumo ?

Vou para o computador escrever meu artigo ,.

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