quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Rumo ao sul



Volto ao Chile . O vulcão cospe   cinzas ao sul . Eu fugi da nuvem cinzenta que pode ameaçar minha viagem .Evito um paraíso andino como Pucón ou Chillán . Escolho Santiago e Santa Cruz .
Meu corpo exala  cansaço . As jornadas de trabalho tem sido extensas. Estou sempre correndo de um lado para o outro . Olho para  o relógio em uma luta  constante contra os ponteiros , que  chegam a minha frente . Sempre estou  a meio caminho quando chega a hora .
Agora estou a meio caminho  e , num raro episódio ,  a hora ainda não chegou . Estou de férias . Curtas , é verdade , mas férias.
Da  primeira vez que estive em Santiago do  Chile ,  era inverno.  A foice  paraiva sobre minha cabeça  . Eu vivia sob a ameaça fria da morte . Eu tremia de frio e medo .Esqui em Vale Nevado . A altitude não me fazia bem .  A vida sem perspectivas não me fazia bem . E as montanhas nevadas formavam um vale deserto , sem vida , sem horizonte ,só gelo .
Hoje é  primavera , o sol brilha , as flores brotam . Escolhi horizontes no meu universo  . O sol nasce   redondo , apaixonado , pungente . Verdadeira bola de fogo. Não consigo dominar minha compulsão pela vida , pelo fazer , pelo realizar . Preciso sugar um pouco desta energia  vermelha , recarregar minhas reservas .
Curioso é que tenho sonhado  constantemente com mar e Netuno  e para as férias escolhi a montanha de Atlas . Prefiro a água , mas desafio o fogo. Primeiro vamos a Santa Cruz  visitar as vinícolas e as parreiras , ver os vales frutificando .
Ainda no freeshop namoro uma nikkon automática , X-tudo , full hd ,  16 mega pixels . As imagens tem me seduzido . Provavelmente  porque não tenho exercitado a imaginação  escrevendo e transformado em palavras as imagens que brotam do meu mar de letras onde  mora Netuno .
A inconsciência me sustenta como um pedaço de  ferro inerte boiando no gel viscoso que jorra do útero de Gaia . É  dos braços do meu netuno de letras , tridentes com pontas de tungstênio , que sismo em acordar  e dar cotidianamente  as costas ao inconsciente que  me  acolhe.  Não fosse assim ardilosa  a consciência ,  escondendo aquilo que não domina  . O   medo , a morte , a felicidade extrema  , o sol nascente , as uvas que florescem nos vales chilenos .
E  o vinho produzido dos frutos destes vales  me permitem acessar novamente a inconsciência e escrever . Finalmente volto a escrever .


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 A luz da lua cheia reflete no espelho do telescópio . Fere minha retina. Espada de  São Jorge fincada no meu coração  . A nossa  insignificância expressa no martírio  legendário . Na lua  nossa  imaginação se concretiza : mares , crateras e manchas .
Na segunda observação , vejo também Ganimedes , a lua de Júpiter . o planeta gasoso , 12 vezes o nosso tamanho . As manchas se perdem nos meus bastonetes danificados . Mas eu sei que estão lá . Minha pele fica crespa de emoção . Lembro do meu polioptyicon . Construía lunetas para observar os astros . Lia sobre astronomia  aos 12 . As imagens do espaço , estrelas , galáxias , ainda me emocionam.  Lembro de  observar a lua , tentar visualizar suas crateras .
Hoje elas  reaparecem enormes através do telescópio computadorizado da vinícola .  Localização e clima privilegiados . A observação do espaço fica favorecida no vale do Colchágua .
Aqui na terra preocupados com décimos de segundos , esquecemos que os astros que brilhan nas constelações longínquas talvez já não existam mais . A luz que observamos maravilhados percorre 4 milhões de anos luz vinda de algum ponto distante do universo . Chegou atrasada ?
Por isso talvez o frugal almoço a sombra do parreiral e da figueira repleta de frutos  foi  tão prazeroso . Desfrutar a tranquilidade deste vale  fértil capaz de produzir tantas delicias é , sem dúvida , um presente  . Rios subterrâneos ,  vinhas livres de pragas , o trabalho humano aliado a natureza é capaz de tamanhas maravilhas . Produções biodinâmicas , vinhos de equilíbrios perfeitos. Vinhas e pomares tão produtivos . A tranquilidade do lugar põe em cheque meu estilo de vida . O céu cheio de pontos brilhantes me lembra ,  não somos nada , um pingo de água num oceano de possibilidades . Um acaso , quase um erro de calculo .
A vida veio em um asteróide que colidiu com nosso planeta , explica o senhor no observatório das bodegas Santa Cruz . Bactérias que encontraram um mar quentinho , oxigenado graças a influência da nossa lua . Será a lua e a  imaginação uma coisa só ? Em última instância a vida não existiria se a lua não exercesse o seu fascínio sobre a terra ,  se seu campo gravitacional não possibilitasse o movimento dos mares . Talvez não existíssemos sem sonhar .
Vivemos em uma estreita crosta solida sobre um núcleo que esta em ebulição. Os vulcões  , os terremotos , os gêisers , todos sinais de um núcleo em ebulição . E isso o Chile nos lembra a cada segundo .


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Santiago se mostra diferente . O hotel de um luxo duvidoso . Dourados , lobby fabuloso , elevadores panorâmicos , cascatas na piscina . Mas o quarto grande o serviço muito atencioso .
A primeira vista uma  cidade de primeiro mundo . Chegamos e saímos para um passeio a pé por perto mesmo . Erramos os caminhos . É tão difícil atravessar as auto estradas e pistas expressas . Mas no fim achamos uma varanda simpática . Comida simples . Chopp gelado . Férias de verdade . O papo rola , nossa intimidade parece sempre maior nas viagens .
O restaurante famoso  reservado para noite decepciona . Preços altos . A comida de Don Gaston nos parece carregada , pesada , sem o brilho que sabemos que poderia ter .
Aos poucos a cidade vai se mostrando . Vamos dançar . A boîte numa zona   central  , uma região decadente . Nos damos conta que este é um país conservador . Vítima da associação espúria entre militares de direita e de uma igreja católica que se aliou aos assassinos . Tudo para manter seu poder .
O Chile americanizado aparece em Santiago . Businesmen nos rodeiam no café da manha . A pobreza começa a dar suas caras .
 No passeio pela zona central depois de devoramos um centolla inteira , nos perdermos a caminho do cerro San Cristobal . Aos poucos tomamos contato com o Chile da população . A America latina aparece nos mínimos detalhes . No cerro o casal modesto veste suas filha s de jérsei cor de rosa e tiaras douradas . O passeio de domingo de suas Lupitas que eles exibem com orgulho .No mais shoppings , restaurantes médios , uma localizaçãoprivilegiada . Acho que o passado de ditadura , as cicatrizes  conservadoras  me assustam.
Necessito de um ambiente progressista de liberdade  E Oxalá o Chile consiga avançar com seu “ destape “ , romper o domínio da igreja católica e do exército e se expressar com todas as suas possibilidades . Afinal a paisagem deslumbrante merece uma sociedade mais livre . Mal posso aguardar minha quarta visita . Atacama ou Patagônia ?



sábado, 17 de dezembro de 2011

ONDE FOI PARAR O MEU PAPAI NOEL ?


Chego ao escritório cansado , vindo de mais  uma reunião  com um cliente  que precisa por a casa em ordem e não sabe onde seu problema começou .
Olho para a minha mesa e os papéis se acumulam. É fim de ano, época em que todos querem resolver os seus   problemas e os da humanidade em semanas . 
No topo de pilha vejo uma linda caixa  de bombons que ganhei de presente . Abro e pego um . Quando dou a primeira mordida, percebo um cabelo  grudado ao celofane da forminha do gianduia  . Olho novamente o cabelo . O fio é branco, meio comprido . Eu me conforto e  começo a delirar . Fecho os olhos . Levo a mão a testa . Acaricio minha cabeça e os poucos cabelos que sobram no topo . Fecho os olhos  
Rapidamente crio  duas explicações fantásticas . Ou o fio branco  é das barbas do papai Noel ,  ou do pescoço das renas  que  perderam seus pelos  afetadas pelo aquecimento global e pelo derretimento da camada de gelo do ártico  .
Não abro os olhos . 
Era tão bom acreditar em Papai Noel ! Tudo o que eu queria era que dezembro chegasse . Arrumávamos as malas e vínhamos para São Paulo  passar férias na casa da minha avó.  Víamos os primos , eu encontrava várias  pessoas distantes que amava . Não tinha a rotina do dia a dia . Brincávamos soltos no quintal com os cachorros  e nossos brinquedos . Aquele quintal e o salão de brinquedos eram nosso mundo . E sempre tínhamos festas com Papai Noel . Algumas  vezes na gráfica onde um tio trabalhava . Outras  no consulado onde meu avô fazia parte do departamento cultural .
O Natal era motivo de festa . Dia 24   montávamos a árvore e íamos dormir esperando que papai Noel passasse durante a noite . Dependendo do ano a árvore era mais rica e mais cheia de presentes . No dia 25 , almoço em família . Era a única oportunidade em que todos os primos se reuniam  . Enfim a família .
Abro os olhos , pois o  telefone toca. Era minha mãe avisando que todos haviam desistido  de ir a casa da minha cunhada no dia 24 e que prefiriam ir para o restaurante . Seria mais rápido e mais prático . Eu fico sem resposta  com o bombom e o fio de barba do Papai Noel ou o pelo da rena despelada  na minha mão . 
Olho para a tela do computador e a lista de 30 e-mails  para ser respondida. Um gerente de banco fica ligando insistentemente  no meu celular desesperado porque a conta do meu cliente está descoberta e a trasferência para pagar os salários não foi realizada .
papei-noel-renas-treno.gifSegurando o fio de cabelo branco ,  choro lembrando que quem se vestia de Papai Noel em todas sa festas era meu avô por causa de seus cabelos e bigodes brancos.   Pego um outro bombom  da mesma caixa e como  para ver se  a ansiedade passa. Desligo o telefone celular , desligo o computador e resolvo convidar mina equipe para almoçar no melhor restaurante do bairro para comemorar o  fim do ano . Meu papai Noel já não existe mais . Os Natais perderam seu sentido . Mas eu tinha que tentar resgatar a felicidade dos Natais e férias de fim de ano da minha infância .