Volto ao Chile . O vulcão cospe cinzas ao sul . Eu fugi da nuvem cinzenta que pode ameaçar minha viagem .Evito um paraíso andino como Pucón ou Chillán . Escolho Santiago e Santa Cruz .
Meu corpo exala cansaço . As jornadas de trabalho tem sido extensas. Estou sempre correndo de um lado para o outro . Olho para o relógio em uma luta constante contra os ponteiros , que chegam a minha frente . Sempre estou a meio caminho quando chega a hora .
Agora estou a meio caminho e , num raro episódio , a hora ainda não chegou . Estou de férias . Curtas , é verdade , mas férias.
Da primeira vez que estive em Santiago do Chile , era inverno. A foice paraiva sobre minha cabeça . Eu vivia sob a ameaça fria da morte . Eu tremia de frio e medo .Esqui em Vale Nevado . A altitude não me fazia bem . A vida sem perspectivas não me fazia bem . E as montanhas nevadas formavam um vale deserto , sem vida , sem horizonte ,só gelo .
Hoje é primavera , o sol brilha , as flores brotam . Escolhi horizontes no meu universo . O sol nasce redondo , apaixonado , pungente . Verdadeira bola de fogo. Não consigo dominar minha compulsão pela vida , pelo fazer , pelo realizar . Preciso sugar um pouco desta energia vermelha , recarregar minhas reservas .
Curioso é que tenho sonhado constantemente com mar e Netuno e para as férias escolhi a montanha de Atlas . Prefiro a água , mas desafio o fogo. Primeiro vamos a Santa Cruz visitar as vinícolas e as parreiras , ver os vales frutificando .
Ainda no freeshop namoro uma nikkon automática , X-tudo , full hd , 16 mega pixels . As imagens tem me seduzido . Provavelmente porque não tenho exercitado a imaginação escrevendo e transformado em palavras as imagens que brotam do meu mar de letras onde mora Netuno .
A inconsciência me sustenta como um pedaço de ferro inerte boiando no gel viscoso que jorra do útero de Gaia . É dos braços do meu netuno de letras , tridentes com pontas de tungstênio , que sismo em acordar e dar cotidianamente as costas ao inconsciente que me acolhe. Não fosse assim ardilosa a consciência , escondendo aquilo que não domina . O medo , a morte , a felicidade extrema , o sol nascente , as uvas que florescem nos vales chilenos .
E o vinho produzido dos frutos destes vales me permitem acessar novamente a inconsciência e escrever . Finalmente volto a escrever .
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A luz da lua cheia reflete no espelho do telescópio . Fere minha retina. Espada de São Jorge fincada no meu coração . A nossa insignificância expressa no martírio legendário . Na lua nossa imaginação se concretiza : mares , crateras e manchas .
Na segunda observação , vejo também Ganimedes , a lua de Júpiter . o planeta gasoso , 12 vezes o nosso tamanho . As manchas se perdem nos meus bastonetes danificados . Mas eu sei que estão lá . Minha pele fica crespa de emoção . Lembro do meu polioptyicon . Construía lunetas para observar os astros . Lia sobre astronomia aos 12 . As imagens do espaço , estrelas , galáxias , ainda me emocionam. Lembro de observar a lua , tentar visualizar suas crateras .
Hoje elas reaparecem enormes através do telescópio computadorizado da vinícola . Localização e clima privilegiados . A observação do espaço fica favorecida no vale do Colchágua .
Aqui na terra preocupados com décimos de segundos , esquecemos que os astros que brilhan nas constelações longínquas talvez já não existam mais . A luz que observamos maravilhados percorre 4 milhões de anos luz vinda de algum ponto distante do universo . Chegou atrasada ?
Por isso talvez o frugal almoço a sombra do parreiral e da figueira repleta de frutos foi tão prazeroso . Desfrutar a tranquilidade deste vale fértil capaz de produzir tantas delicias é , sem dúvida , um presente . Rios subterrâneos , vinhas livres de pragas , o trabalho humano aliado a natureza é capaz de tamanhas maravilhas . Produções biodinâmicas , vinhos de equilíbrios perfeitos. Vinhas e pomares tão produtivos . A tranquilidade do lugar põe em cheque meu estilo de vida . O céu cheio de pontos brilhantes me lembra , não somos nada , um pingo de água num oceano de possibilidades . Um acaso , quase um erro de calculo .
A vida veio em um asteróide que colidiu com nosso planeta , explica o senhor no observatório das bodegas Santa Cruz . Bactérias que encontraram um mar quentinho , oxigenado graças a influência da nossa lua . Será a lua e a imaginação uma coisa só ? Em última instância a vida não existiria se a lua não exercesse o seu fascínio sobre a terra , se seu campo gravitacional não possibilitasse o movimento dos mares . Talvez não existíssemos sem sonhar .
Vivemos em uma estreita crosta solida sobre um núcleo que esta em ebulição. Os vulcões , os terremotos , os gêisers , todos sinais de um núcleo em ebulição . E isso o Chile nos lembra a cada segundo .
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Santiago se mostra diferente . O hotel de um luxo duvidoso . Dourados , lobby fabuloso , elevadores panorâmicos , cascatas na piscina . Mas o quarto grande o serviço muito atencioso .
A primeira vista uma cidade de primeiro mundo . Chegamos e saímos para um passeio a pé por perto mesmo . Erramos os caminhos . É tão difícil atravessar as auto estradas e pistas expressas . Mas no fim achamos uma varanda simpática . Comida simples . Chopp gelado . Férias de verdade . O papo rola , nossa intimidade parece sempre maior nas viagens .
O restaurante famoso reservado para noite decepciona . Preços altos . A comida de Don Gaston nos parece carregada , pesada , sem o brilho que sabemos que poderia ter .
Aos poucos a cidade vai se mostrando . Vamos dançar . A boîte numa zona central , uma região decadente . Nos damos conta que este é um país conservador . Vítima da associação espúria entre militares de direita e de uma igreja católica que se aliou aos assassinos . Tudo para manter seu poder .
O Chile americanizado aparece em Santiago . Businesmen nos rodeiam no café da manha . A pobreza começa a dar suas caras .
No passeio pela zona central depois de devoramos um centolla inteira , nos perdermos a caminho do cerro San Cristobal . Aos poucos tomamos contato com o Chile da população . A America latina aparece nos mínimos detalhes . No cerro o casal modesto veste suas filha s de jérsei cor de rosa e tiaras douradas . O passeio de domingo de suas Lupitas que eles exibem com orgulho .No mais shoppings , restaurantes médios , uma localizaçãoprivilegiada . Acho que o passado de ditadura , as cicatrizes conservadoras me assustam.
Necessito de um ambiente progressista de liberdade E Oxalá o Chile consiga avançar com seu “ destape “ , romper o domínio da igreja católica e do exército e se expressar com todas as suas possibilidades . Afinal a paisagem deslumbrante merece uma sociedade mais livre . Mal posso aguardar minha quarta visita . Atacama ou Patagônia ?
Necessito de um ambiente progressista de liberdade E Oxalá o Chile consiga avançar com seu “ destape “ , romper o domínio da igreja católica e do exército e se expressar com todas as suas possibilidades . Afinal a paisagem deslumbrante merece uma sociedade mais livre . Mal posso aguardar minha quarta visita . Atacama ou Patagônia ?